Jazz e improvisação
Estive há duas semanas em New Orleans atendendo a Conferência da Ibero Academy of Management. Entre uma sessão e outra havia sempre um espaço para uma caminhada pela French Square e, principalmente à noite, rodar pelos bares ouvindo boa música no berço do jazz. Alguns shows eram meticulosamente preparados para os turistas, com piadas batidas e improvisações descaradamente arranjadas, mas quando você sabe onde ir acaba descobrindo onde estão os verdadeiros artistas, que estão lá para se divertir, mais do que ganhar dinheiro e é então quando a alegria finalmente encontra o talento.
A improvisação no jazz é uma das metáforas mais utilizadas em estudos e debates sobre criatividade. É o processo de criar espontaneamente novas melodias ao longo do ciclo contínuo de repetição de mudanças de acorde de uma melodia. A metáfora chega ao campo do empreendedorismo quando se discute o uso da criatividade para identificar oportunidades e improvisar diante da falta de recursos. A metáfora fica mais forte ao comparar uma orquestra (a grande organização) com a banda de jazz (pequena empresa nascente), sendo que apenas a primeira lê partitura, levando as pessoas a crer, erroneamente, que o jazz é desprovido de estrutura e sem regras.
O Professor português, Miguel Pina e Cunha, da Universidade Nova de Lisboa, fez um estudo sobre essa leitura equivocada da metáfora. Segundo ele, o jazz oferece uma combinação única de estrutura e liberdade que poderia ser aproveitada para proporcionar modelos organizacionais mais flexíveis. Podemos dizer que a banda de jazz é um protótipo de uma organização complexa, uma versão simples daquilo que ela se tornará no futuro.
Para entender melhor como este processo funciona, lembre-se de como você aprendeu a falar. No começo você ouvia as pessoas e as imitava. Com o tempo, você começou a perceber alguns padrões, algumas regras básicas de gramática, só pela observação. Com a prática e, posteriormente, algumas aulas de português, você foi aumentando o vocabulário e o seu conhecimento sobre a língua. Essa é a estrutura que você precisa para falar qualquer coisa. O domínio da língua não significa que você vai falar algo interessante. Para isso, você precisa de alguma dose de inspiração.
Do mesmo jeito, na música, o conhecimento e os fundamentos são as ferramentas necessárias, mas a inspiração exerce o papel mais importante na criação de uma boa música. Como dizia o trompetista Clark Terry, o processo criativo em jazz se resume ao ciclo ‘imitar, assimilar, inovar’. É por isso que os melhores sons de música improvisados são estruturados, e que a melhor música composta soa improvisada. O guitarrista Steve Lacy diferencia a música composta da música improvisada da seguinte forma: “Na música composta, você tem todo o tempo do mundo para decidir o que dizer em quinze segundos, na música improvisada você tem quinze segundos”. Ao começar o seu projeto pessoal você pode planejar o quanto quiser a sua implementação, mas o grau de incerteza é tão alto que muitos dos pressupostos que você assumiu se mostrarão equivocados e no final das contas você vai ter que decidir na hora o que fazer e é aí que entra a improvisação.
Essa natureza solta e descompromissada do Jazz traz outros aprendizados. Observando as bandas tocarem, percebi que os músicos têm muito domínio sobre a técnica, mas também erram e não estão nem aí, pois ao contrário da orquestra, o ambiente solto e descontraído do jazz faz o julgamento e a crítica diminuírem em favor da liberdade e da leveza da improvisação. Se você não estiver disposto a aceitar o erro como parte do processo, não é capaz de improvisar. Outra coisa que percebi é que as bandas são sempre pequenas, entre 4 e 6 membros, e por isso, não existe uma liderança formal. Cada hora alguém assume a liderança, seja dando o primeiro acorde como dirigindo os demais só pelo olhar. Também vi que cada membro tem o seu próprio estilo e a mágica da música acontece quando eles conseguem alinhar ritmos e estilos de forma harmônica e não planejada. E isto ficava aparente antes e depois de uma performance solo, pois o ritmo não se perdia e o desempenho individual estava sempre alinhado com a música. Esse equilíbrio entre o planejado e os toques improvisados requer muito domínio individual da técnica e muita empatia dentro da banda, de forma a facilitar a comunicação e os ajustes finos acontecerem em tempo real.
O neurologista Charles Limb fez um estudo com músicos de jazz e percebeu que a atividade cerebral muda quando os músicos partiam para a improvisação. Os lobos pré-frontais laterais responsáveis pelo auto monitoramento consciente diminuíam a atividade. Segundo o pesquisador, os músicos estavam desligando a autocensura do cérebro para que pudessem gerar ideias inovadoras sem restrições. Este intrincado processo só acontece porque os músicos já tocaram centenas de vezes aquela música, todos conhecem a melodia e o papel do seu instrumento. Enquanto os demais instrumentos estão dando o ritmo da música o solista pode variar a sua parte, indo para outras direções sem se desconectar do ritmo, de forma espontânea e seguindo seus instintos. O truque para a improvisação no jazz é tocar música com criatividade espontânea dentro de um contexto intencional.
Uma grande dificuldade que temos atualmente é sair de um modelo estruturado de pensamento que o nosso sistema educacional forjou ao longo de toda a nossa existência. No mundo de hoje existe pouco espaço para aprender a improvisar, embora a necessidade de improvisar esteja presente o tempo todo. Os cursos da Polifonia procuram quebrar o pensamento pré-formatado dos alunos, buscando os elementos que fundamentam a improvisação, a flexibilização, a exploração das individualidades e o trabalho em grupo. Você aprendeu a pensar como orquestra e na Polifonia você vai aprender a pensar como banda de jazz.
Como dizia o trompetista Wynton Marsalis, "No Jazz, a improvisação não é apenas uma questão de fazer qualquer coisa. O jazz, como qualquer linguagem, tem sua própria gramática e vocabulário. Não há certo ou errado, apenas algumas escolhas que são melhores do que outras". Que, nas suas próximas resoluções, seus pensamentos não estejam voltados a fazer as escolhas certas, mas em fazer as melhores escolhas que puder fazer diante dos recursos e das condições existentes.
Por Marcos Hashimoto
Co-fundador da Polifonia e Professor de Empreendedorismo na Universidade de Indianapolis - EUA, consultor de negócios e especialista em inovação corporativa.