Excesso de informação
Quantas contas nas redes sociais você tem e opera regularmente? No mínimo o Facebook, o Linkedin para fins profissionais, o Instagram, o Whatsapp e às vezes até o Snapchat e o Twitter aparecem nesta lista.
Até que ponto você acredita em tudo o que as mídias veiculam? Veja dois fatos que aconteceram recentemente que colocam a veiculação de notícias na rede social nos holofotes e tornam minhas palavras hoje mais relevantes.
O comediante Jim Carrey apagou sua conta do Facebook porque acredita que eles deixaram os russos manipularem a rede para influenciar nas eleições americanas.
Já a Folha de São Paulo decidiu não mais veicular notícias na rede social por causa da mudança no algoritmo que agora privilegia conteúdos pessoais em detrimento aos de empresas. Eles creem que isso facilita a difusão das fake news e suprime a veiculação de informação fidedigna.
Aparentemente estes fatos chamam a atenção para o que os sociólogos vêm descrevendo desde a década passada como o fenômeno do excesso de informação. Experimente ‘googlar’ o termo ‘excesso de informação’ para ver o que a internet traz. Você será atropelado pelo excesso de informação sobre excessos de informação. ‘Poluição de dados’, ‘asfixia de informação’, ‘síndrome da fadiga da informação’, ‘sobrecarga de dados’, ‘ansiedade de informação’, entre outras expressões que só mostram que já se escreveu de tudo sobre o tema.
Não é difícil entender o fenômeno, afinal, faço parte de uma geração que sofreu muito pela falta de informações. No trabalho e na vida, tínhamos que tomar decisões importantes e não tínhamos como ‘googlar’ para saber onde achar um serviço, como saber a reputação de uma empresa, onde encontrar o menor preço, nada. Nossa carência de informação nos levou ao consumo desenfreado da informação na virada do milênio. A ansiedade de informação nos levava a assinar todos os boletins, newsletters e feeds de notícias. Liamos todos os emails com medo de perder alguma informação importante.
A maior parte do que encontrei sobre o assunto fala sobre a forma como nos tornamos escravos da informação, chamado de ‘mal do século’ por Gilberto Dimenstein, mas poucos exploram o que quero tratar neste artigo: como o excesso de informação está matando nossa capacidade criativa.
Para explicar este ponto, convido-o a imaginar a seguinte cena: você acorda de manhã e lê seu jornal matinal. Vai trabalhar e no caminho ouve as notícias da manhã no rádio do carro. Durante o dia entra nas páginas dos portais de notícia a cada meia hora. Chega em casa e assiste o jornal e não vai dormir antes de checar os últimos posts que chegaram no seu celular. Essa rotina soa familiar? Bem, pois é familiar para muitas pessoas.
Mais e mais pessoas seguem esta rotina, com pequenas variações, acessando os mesmos canais de notícia, lendo os mesmos posts, vendo os mesmos telejornais, resultando na comoditização da informação, a padronização dos conteúdos. Quando todos têm acesso às mesmas informações, as pessoas começam a pensar da mesma forma. Por um lado, isso é bom, pois não só as pessoas estão melhor informadas como há sempre assunto nas rodas de discussão entre pessoas informadas. É muito bom se sentir a par do que as pessoas estão discutindo e é sempre agradável poder contribuir em conversas sobre vários assuntos diferentes.
O problema da comoditização da informação é que os veículos de comunicação - a imprensa de uma forma geral - precisam se diferenciar de alguma forma em um ambiente de competição cada vez mais acirrada, pois a facilidade de acesso instantâneo a qualquer informação faz com que seja cada vez mais raro um veículo deter um verdadeiro ‘furo’ de reportagem, algo grande e inédito que as agências podem veicular em primeira mão.
Li um representante do New York Times comentar que uma das formas mais comuns desses veículos se diferenciarem é trazendo a opinião de especialistas. Assim, passou um tufão na Florida? Um meteorologista dá a opinião técnica dele sobre o fenômeno. Ocorreu um ataque de intolerância no Rio? Um sociólogo é logo convocado para falar sobre o tema. Foi aprovada uma nova lei para combater lavagem de dinheiro? Um advogado já está de plantão para comentar as implicações do fato.
Veja como são as coisas, como se não bastasse recebemos a informação já pronta e processada, ainda recebemos também a opinião já mastigada. Muito cômodo, não é? Você não precisa mais manifestar a sua opinião, pode se apropriar da opinião de um terceiro como se fosse a sua e nem se dá conta que não está pensando por si mesmo.
Experimente fazer um teste. Da próxima vez que for assistir o seu time jogar na TV, desligue o som e assista apenas o jogo, sem ouvir os narradores e comentaristas. Após o jogo, vá comentar o jogo com seus amigos que também assistiram pela telinha e posso garantir que você reparou em coisas que outros não viram e que sua visão foi no mínimo diferente dos seus amigos. Isso se dá porque você não se deixou influenciar pelos comentaristas e trouxe a sua própria visão do jogo.
Isso pode parecer um detalhe insignificante que não vai fazer muita diferença no dia-a-dia, afinal, você talvez nem goste mesmo dos comentários durante o jogo, não é? Agora, experimente estender esta experiência para outros aspectos da sua vida, comece a ‘calar os especialistas’ e desenvolva a sua própria opinião, baseado em sua experiência, seu conhecimento, seus valores e seus próprios ideais. Na verdade, minha sugestão é que você vá além e busque diversificar também as suas fontes de informação, principalmente em assuntos controversos em que as opiniões se dividem naturalmente.
Veja um exemplo de como a mesma informação pode variar, dando diversas interpretações sobre o mesmo fato. Se você pesquisar sobre a prisão do Lula esta semana vai ver o seguinte: o fim da democracia no NYTimes, sua elegibilidade nas próximas eleições no Washington Post, a trajetória da prisão no El País ou como Lula assistiu a vitória do timão da cela no El Mundo. O mesmo fato, diversas perspectivas diferentes.
Uma das melhores formas de navegar no mar de informações da rede é buscando fatos ou opiniões contrárias ao senso comum. Neste mesmo exemplo da prisão do Lula, vamos encontrar manifestações em apoio ao ex-presidente: Evo Morales, Chico Buarque, Herson Capri e Guilherme Boulos e Manuela D’Ávila.
Desta forma, você pode desenvolver um olhar isento sobre as coisas que acontecem, trazendo novas perspectivas, novos ângulos e consequentemente ideias diferentes das opiniões polarizadas da maioria.
No médio e longo prazo, se você repetir este comportamento em outros contextos, como no trabalho, e de forma mais consistente, você verá que começará a perceber coisas que os outros não percebem, começará a ver coisas que os outros não veem, vai desenvolver um modelo mental de pensamento diferente dos demais e assim começará a ter ideias diferentes sobre qualquer assunto, um recurso fundamental para a encontrar soluções criativas, insights inspiradores, mais momentos ‘Ahá!!!’.
Por Marcos Hashimoto
Co-fundador da Polifonia e Professor de Empreendedorismo na Universidade de Indianapolis - EUA, consultor de negócios e especialista em inovação corporativa.