Pensando de ponta cabeça: da ousadia à transformação
Por Patríca Cotton
Adoraria ter sido a autora da famosa frase dita por Charles Darwin que declara que não são os mais fortes nem os mais inteligentes que sobrevivem, mas aqueles mais adaptáveis à mudança. Mesmo que a mudança seja uma constante nos negócios, sempre tive a impressão que, de alguma forma, as organizações e seus líderes desconsideram alguns relevantes aspectos deste processo, especialmente o poder crucial das emoções humanas. Em qualquer tentativa de transformação corporativa, as percepções e sentimentos das pessoas são vitais. Estratégias de negócios ousadas e apresentações de Power Point cuidadosamente preparadas perdem a importância se as pessoas não se envolverem com as ideias organicamente. Eis aqui, então, algumas perguntas que não querem calar na seara da transformação de negócios: como a mudança pode vencer a resistência e o poder da inércia? E, mais importante, como é possível manter a integridade e o propósito quando mudar pressupõe a constante adaptação?
Para estabelecer um link sólido entre gestão de mudança e a relevante influência da psicologia no comportamento de pessoas e negócios, embarquei recentemente em uma jornada global para entrevistar importantes CEOs e outros experts no assunto. Dos meus encontros com Ward Klein (CEO da Energizer) ao Sidney Levy (CEO da Rio 2016), vários líderes do Vale do Silício e muitos outros, pude identificar alguns padrões comuns e chegar a algumas conclusões sobre o quão adaptável se deve ser em movimentos de mudança.
Curiosamente, o aspecto mais sensível e menos considerado desse processo é que entre uma intenção de mudança e um estado futuro desejado estão as pessoas. Partindo desta premissa, qualquer estratégia de negócios deveria ser seguida de um link emocional e recompensa para funcionários, investidores, fornecedores e outros stakeholders. Independentemente da estrutura da organização, seja ela mais horizontalizada ou top down, as pessoas precisam estar em um estado de espírito adequado para habilitar que a mudança ocorra de forma efetiva e sustentável.
Outro aspecto importante é o momento de tornar pública a estratégia de mudança. Os líderes precisam estar prontos para lidar com o alto preço da dúvida, que eventualmente vem junto com o medo da mudança e até, ironicamente, medo do sucesso. Neste sensível momento, é importante se ater ao plano inicial, restaurando a autoconfiança, encontrando conforto na incerteza e tendo paciência e perseverança para perseguir a mudança.
Uma das minhas descobertas foi que otimismo, exposição ao risco e autoconfiança são gatilhos extremamente benéficos para a transformação. Estas qualidades são predominantes entre os CEOs, que são mais ambiciosos, focados e competitivos que a média. Outro aspecto interessante que estava claramente presente no discurso dos entrevistados foi o que a psicologia moderna chama de “ego-resiliência”, que pode ser descrita como a alta capacidade de superar, orientar-se através e se recuperar da adversidade, em um contínuo processo de aprendizado.
Em poucas palavras, a gestão de mudança não é sexy, é laboriosa. Aqueles que serão realmente bem-sucedidos são os que buscarão oportunidades, potencialmente falharão, mas tentarão novamente, mais fortalecidos. E eles não se esquecerão das experiências adquiridas para chegar lá.
Trazendo esta visão para a realidade brasileira e para a atual crise moral do país, é preciso deixar de lado as crenças sabotadoras de que a nação sempre foi e será corrupta em todas as instâncias, inspirando-se no que o filósofo francês Henri-Louis Bergson disse: “existir é mudar, mudar é amadurecer, amadurecer é se reinventar sempre”. Então, não acredite muito nas suas próprias verdades e mantenha-se aberto.
PATRÍCIA COTTON
Patricia Cotton fundou o Upside Down Thinking e é expert em inovação e liderança criativa. Originalmente carioca, Patricia passou a amar a cidade saindo dela. Ao longo da vida, aprendeu que ir para longe revela o que está perto, e que o caminho também é um lugar. Patrícia tem MBA da Escola de Liderança Criativa de Berlim e participou de uma expedição de aprendizado promovido pelo Team Academy na Finlândia, além de um curso imersivo da Teoria U. Acredita cada vez menos em CV e mais em estabelecer conexões criativas e profundas. Na dúvida, sempre pensa o contrário.
*Texto publicado originalmente no site Radar Executivo