Ouço, logo existo.
O poder da escuta
Por Guilherme Bcheche*
Vivemos num mundo onde é esperado que você fale. E fale bastante. Essa é a forma de compartilhamento consagrada pela cultura da tecnologia e do empreendedorismo. Técnicas de storytelling, teatro, improvisação e retórica há muito saíram das salas de aula frequentadas por atores e jornalistas e passaram a ocupar a agenda não só de executivos e empreendedores, mas também de crianças.
Realmente não há nada de errado em se preparar para uma realidade que se confunde o tempo todo com o espetáculo. É fundamental que você expresse sua opinião mesmo que não a tenha, que se coloque de uma forma atraente e sedutora quando é convidado para uma palestra.
Subir ao palco e saber compartilhar suas ideias passou a ser uma condição de sucesso principalmente para empreendedores influenciados pela lógica americana do Vale do Silicio. E ai de quem não faz o seu pitch de forma lógica, convincente e emocionante. Essa é a regra do jogo. Os fundos de investimento estão interessados em negócios inovadores que tem como fundadores pessoas que sabem falar com paixão sobre seus negócios.
Um grande exemplo dessa cultura é o TED Talk. O movimento foi criado há mais de 30 anos na California com o intuito de influenciar pessoas ao redor do mundo atraves de apresentacoes de boas ideias, muitas delas absolutamente inéditas. Atualmente, existem vários modelos de Ted Talks pelo mundo – Ted, TedEx, TedVideos – e recebe o título de celebridade quem consegue subir ao palco do tapete vermelho redondo para difundir suas ideias.
Essa “fala” também está expressa nos posts do facebook, instagram, youtube, twitter, whatsapp, snapchat, e sei lá mais o que. A regra é clara: fale; fale o tempo todo senão vão se esquecer de você.
O problema é que, nessa lógica do compartilhamento, esqueceram de incluir a escuta como um fator tão ou mais importante que a fala. É nela que está o poder de absorver, analisar e colocar em prática qualquer ideia, conceito ou valor. Acredito ainda que é na escuta que mora o poder da execução: quem fala menos tem mais tempo pra fazer.
A escuta é parte ativa do processo de compartilhamento. Ela é tão importante que há quem defina o processo educativo como “a arte de fazer perguntas (que só é possível através da escuta) e não necessariamente de respondê-las”. A escuta é parceira inseparável da curiosidade. E esta, por sua vez, é a grande alavanca do conhecimento, da inovação e da criatividade.
A escuta não está apenas no ato de ativa ou passivamente ouvir alguém falar. Ela também se manifesta na leitura, no silêncio e na contemplação. Ler é um ato de conhecer, interpretar, fantasiar, criar opinião e essencialmente se conhecer. Já o silêncio é uma escuta interior fundamental para dar espaço ao vazio necessário ao processo criativo, à invenção, às novas ideias, à investigação, e, claro, ao auto conhecimento. Não é a toa que os processos de meditação tem se tornado tão populares nos últimos anos; eles revelam a necessidade do silêncio e da respiração como as ferramentas mais poderosas para nos mantermos presentes, inteiros e fiéis a nós mesmos.
Faço então um convite a todos nós, ávidos por falar: escutemos! Seja uma fala, uma música, um livro ou simplesmente o som do silêncio que dá espaço à voz interior. Escutar é tão ou mais importante que a fala no processo de compartilhamento.
*Guilherme Bcheche é consultor estratégico, sócio da Noocity e da Polifonia. Especialista em Inovação pela Stanford University